O passado de trinta anos havia brotado naquela noite, não por acaso. Fábio e André, conversando a respeito, faz despontar o perfil que possuíam.
Fábio, 58 anos, retira as vistas da linda e iluminada residência dos Flem, e diz que trinta anos haviam se passado.
– Levando-se em consideração a data de hoje, realmente faz trinta anos. – replica André, cunhado, amigo e proprietário do bar onde a conversa acontecia.
– Muitas coisas permanecem vivas na memória. – confessa Fábio.
– De todos nós.
Fábio diz que estava refletindo sobre um fato. Mero fato, aliás, no entanto, interessante.
– Todos nós temos 58 anos. Denílson Flem, você e eu. E o Aron. Caso Aroni, o gêmeo de Aron estivesse vivo, também teria, obviamente, 58 anos. – diz ele.
– De fato.
– … A residência dos Flem permanece impecável – comenta Fábio.
André a observa e diz que os pais de Denílson eram zelosos.
– Eram sim.
– Ainda é considerada a residência mais bela do bairro. – diz André.
Fábio confessa que havia se esbarrado com o casal de caseiros da residência em questão.
– São inocentes. – replica André.
– Denílson visita o lar dos falecidos pais?
– Aparece aqui, mas lá não pisa.
– Residência ociosa, deveria vendê-la… Por que será que temi vendê-la?
– Deixe-a quieta. – pede André.
Fábio traga a bebida e diz:
– Juro! Às vezes, desejo contar para o casal de caseiros uma história. Apenas para observar a reação deles.
Dias antes do suposto acidente que vitimou os pais e a irmã de Denílson Flem e supostamente os pais de sua esposa, Aroni confidenciou ao irmão gêmeo Aron, a proposta que Denílson Flem havia lhe feito. Recusou-a, pois, era um piloto recentemente formado, e o trajeto aeronáutico que faria, exigia experiência suficiente para lhe dar com ventos traiçoeiros que sopravam sobre as águas do canal Vernum. A viagem seria para transportar os pais, a irmã e a esposa de Denílson. Bem como os pais de sua esposa, à Ilha Sabar, onde passariam alguns dias. Denílson, sempre arrogante, não gostou da recusa, porém amenizou a ira ofertando vantajosa soma para um piloto recentemente formado. Soma a qual Aroni aceitou. Ainda, segundo Aroni, havia um apêndice na questão ou os pais de Denílson Flem ou os pais de sua esposa estavam indecisos sobre a viagem.
Fábio diz:
– Denílson, um imbecil de péssima índole, era piloto, cujo brevê havia conquistado aos 22 anos. Sabia pilotar. Mas porque não quis fazer a mencionada viagem? Óbvio que sabia até onde o combustível da aeronave daria. Como também sabia que, se uma aeronave de pequeno porte mergulhasse no canal Vernum, correntes submarinas a levariam até as profundezas do oceano e lá se perderia.
André caminha até o balcão acende o cigarro e diz:
– Denílson nos visitou. Fazia tempo que não aparecia.
– O que desejava?
– Nunca nada deseja. Engole a seco copos de uísque. Atira cédulas emboladas sobre o balcão e, cambaleante, atravessa a porta e desaparece. No entanto, dessa vez foi diferente.
– O que houve?
– Tudo indica que o Aron contou a verdade.
– Sobre os indecisos?
– ... Dois prováveis corpos que estão sepultados na residência, ainda considerada a mais bela do bairro. A sua irmã contará. Ligarei para ela.
– …
Residiam a menos de duzentos metros do estabelecimento. A senhora se faz presente, saúda o irmão e senta-se à mesa. O esposo pede para que ela conte o sumo da última conversa vomitada por Denílson Flem.
– A conversa surgiu do nada. – diz ela. – Como se fosse novidade, estava embriagado. Disse que, caso fosse golpeado, muitos também sentiriam a dor. Aluguel em repouso, despertaria alucinado. Chefe de setor de importante indústria, teria de apresentar escolaridade exigida para poder se manter no emprego e serviço de táxi para grandes empresas sem concorrência? Caso falecesse, nada poderia fazer, porque estaria morto. Porém, se vivo estivesse e fosse golpeado, tudo seria revisto.
– Quem o golpearia? – inquire Fábio.
Diz André:
– O aluguel desse estabelecimento não é reajustado há 28 anos. Tempo igual aos beneficiados das mencionadas promoções. – Fábio e Aron.
– Somos cúmplices, sim. – reconhece a senhora.







